quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Contos da Nau da Morte IV – Lendas

Um dia ele emergiu da grande sombra da lua, sobre o oceano. Os peixes fugiram em desespero, tamanho poder maligno que exalava dele. Um tubarão enfezado mordeu seu casco e retorceu-se, envenenado, até a morte. Vomitou tudo o que comera pela vida toda, inclusive o Sr. Jonathan Filiards, cozinheiro renomado do U.S.S. Branca de Neve, que, no naufrágio do mesmo, foi engolido pelo pavoroso tubarão branco. Assim que conseguiu pôr sua cabeça fora d'água, puxou ar e engasgou-se. Tossiu tanto que foi expelido para dentro do navio que acabara de nascer das trevas malignas do oceano, e se tornou imediatamente, o chef da nau de velas púrpuras, fazendo eternamente sua especialidade, tubarão à la bouche. Ou algo assim.

Ou quem sabe: um dia, ele foi desenhado, projetado e construído por uma trupe de sem vergonhas que usou restos de navios destroçados, para montá-lo à um custo mais baixo e assim vender ao primeiro estúpido que tivesse grana para pagar, e nenhum cérebro para entender que ele já vinha pronto para afundar, de fábrica.

O Capitão Mítrios, sem sobrenome, foi tal acéfalo. E ficou tão fervorosamente animado com a ideia de ter sua própria nau, e achar seus próprios comandados para piratear e saquear e matar e deflorar belas donzelas, que nem atentou ao detalhe – bobo – que ele não boiaria por mais de duas horas. E assim sucedeu-se.

Mas a alma de Mítrios, tomada pelo poder que só o ódio vingativo tem, voltou à vida, emergindo do profundo e escuro oceano, disposto a honrar suas predestinações. Os primeiros a terem seu sangue derramado no convés, foram seus construtores.

De certa forma as lendas se complementam. São tantas, que se perde a conta. Mas, nelas todas, a tal nau emerge do oceano e o oceano é sempre escuro, profundo, maligno.

Como a vida.

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