terça-feira, dezembro 15, 2009

Contos da Nau da Morte III – Sorte

Deitei a sorte e velei seu sono. Um sono de sonhos prateados, cintilantes, de ouro líquido. Fantasias de sedas finas, couro escovado, e honrarias e medalhas. Cadenciado como uma valsa, pra lá, pra cá. Entre meus braços tinha seu corpo, Alberta. Tinha seus seios em meu peito, rígidos, sua boca aberta, sua respiração forçosa. É a dança?, Eu te pergunto e você geme.
Seu olhar gris aceita todos os meus convites para jantar, todas as valsas, até meu pedido de casamento. Sua boca rosada devolve meus beijos, úmida, sempre úmida e salgada do mar que observa ao entardecer, como esperando alguém voltar. Quem espera, Alberta?

Minha sorte ressona, embriagada em contemplações. Toda a flâmula do desejo, ardendo nas entranhas, toda a cobiça, abrindo-se em labaredas. Não tenho o que desejo agora, mas, com a sorte, terei. Suspiro exasperado, que o delírio me apoquenta o esôfago de tal forma, que tenho azia. Acordo indisposto na manhã seguinte, decidido a apreender tudo que me convém.

Chega à Pórtico, um navio pirata. O tão afamado navio, de tripulação amaldiçoada. Não sei exata a maldição que apregoam àquela nau, mas não me passa despercebido que as mulheres da cidade ficam pavoneadas com a chegada dele. Se reduzem a burburinhos chiados, pelos cantos oblíquos do porto, a maioria delas murmurando sobre a força máscula do capitão. Nenhum deles me parece bem apessoado o suficiente para arrancar suspiros, mas quem entende as mulheres?

Minha única e gratificante interação para com esses piratas, é o câmbio. Consta que as viagens mundo afora encheram seus porões de ouro inca, e que esses estúpidos piratas trocam-no por rum de qualquer qualidade. O que para mim, fabricante de rum, é, de fato, interessante.

O que me assusta, assim que vendo seis galões de rum, pelo preço de duzentos, é a facilidade com que chegam e se vão, grunhindo suas palavras incompreensíveis, ignorando as moças altivas que se arrastam em sua direção. À beira do trapiche, antes de embarcar em seus botes, o capitão pára e observa as mulheres que o encaram. Entre elas, percebo, está Alberta! O desespero me comove, fico até enojado de vê-la parada, saia arriada, oferecendo sua beleza à um reles... Pirata? O infame faz um sinal qualquer em sua direção, e para meu horror e consternação das demais mulheres, ela se vai, junto com o capitão!

Ofego, procurando escarnecer de Alberta. Acho na memória, ações que desmerecem a mulher que até então eu idealizava. Chego em minha casa, disposto a contar meu ouro, para distrair a mente. Mas, ao abrir as sacas, ao manusear as moedas, percebo que elas são de estanho pintado. Que tinta poria tanto brilho nelas? Seriam os piratas, bruxos ilusionistas? Como pude estar enganado?

Presumo que, ao botar minha sorte à sono solto, fui negligente em sua velação; acabei por sufocá-la entre travesseiros de ganância.

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