terça-feira, abril 12, 2011

Teatro de Antonin Artaud

 

Ao me deparar com a folha de papel em branco, resoluta em por em rasura as primeiras palavras que explicitarão as ideias e ideais de Antonin Artaud acerca de interpretação do ator, divago por lentos minutos, e nada concluo para começar. Não que Artaud fosse vago. Alucinado e por vezes inteligível, mas não vago. Como a linguagem que encena, a interpretação que poeta, Artaud amarra sua arte minuciosamente; como no teatro da crueldade, o gesto não é vão, é carregado de simbologia, mas nenhuma ação vem caiada de imagens conhecidas. É a quebra do comum, do acessível.

Como diria o próprio Artaud em "O Pesa Nervos", o dificil é encontrar de fato o seu lugar e restabelecer comunicação consigo mesmo. (...) As pessoas que saem do vago para tentar precisar seja o que for que se passa em seu pensamento, são porcos. Eis-me então definida por Artaud. Precisamente começando por esses porcos, podemos analisar o contexto cênico do teatro da crueldade, imaginando a encenação de um abate.

Em cena bonecos gigantes, luzes que mudam rapidamente, gritos, movimentações inesperadas e contraditórias, objetos de cores contrastantes, notas agudas que modulam para estridentes. O porco, ou aquele que será abatido, é uma representação mágica em seu figurino, e que não caminha em direção alguma. Mas essa nenhuma direção é desenhada, de forma a exprimir a tensão da morte, o desejo de rasgar o coração de seu algoz, o desespero em se ver livre da sua condição: tudo isso retratado através de movimentos cifrados, palavras jogadas, que não condizem com o que é conhecido. Quando o desespero aumenta, o movimento reduz sua velocidade, as vozes se encolhem, mascaras diferentes são postas. Não há cenário. Há personagens-signos que refletem o matadouro.

O teatro da crueldade é o mais conhecido legado de Artaud acerca das artes cênicas. Nele a base é a crueldade, tentativamente buscando a interação metafísica entre platéia e ator, os dois sendo parte da ação-ritual encenada. Interpretar texto é depreciado e visto como teatro comercial (e ocidental) por Artaud: em seu lugar se sobressairia o gestual simbólico, a partitura corporal baseada no delírio, no sonho, o conjunto cifrado do espetáculo. Como se no abate a força mobilizadora não fossem as palavras ditas pelo suíno, sabido de sua sentença de morte, mas o gemido da gigante faca que penetrará sua garganta, uma faca já suja, que tilinta ao redor de todos preconizando a morte.

Para Artaud, o teatro é o lugar privilegiado de uma germinação de formas que refazem o ato criador, formas capazes de dirigir ou derivar forças. Como na peste, que toma as entranhas esquecidas do corpo, e o leva ao gesto mais extremado, a exteriorização de um fundo de crueldade latente, o teatro também deve, para Artaud, encontrar a forma dessa exteriorização. O teatro, como a peste (...). Desenreda conflitos, libera forças, desencadeia possibilidades, e se essas possibilidades são negras a culpa não é da peste ou do teatro, é da vida.

O ator no teatro artaudiano é alquímico, na busca pela essência do movimento que reproduza toda a complexidade da realidade sem ser naturalista, nem realista. Como no oriente, em que os atores passam a vida tentando criar a perfeição da movimentação de seu personagem, o ator idealizado por Artaud deve compreender seu personagem como um hieróglifo, com movimentos capazes de expressar toda uma gama de significados, em ponto de fazer a platéia perceber as imagens e se incomodar delas. E como o porco esperando ser abatido, necessitar gemer e grunhir em antecipação.

Bibliografia:

ARTAUD, Antonin. O Pesa-Nervos. Trad. Joaquim Afonso. Lisboa: Hiena Editora, 1991.

ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu duplo. Trad. Teixeira Coelho. 3ªed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

VIRMAUX, Alain. Artaud e o teatro. Trad. Carlos Eugênio Marcondes Moura. São Paulo: Perspectiva, 2009.

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