quarta-feira, novembro 18, 2009

Contos da Nau da Morte II - Parindo Chifres

Um homem pariu um cervo, conta uma história desprovida de nexo, contada primeiramente por um marinheiro náufrago, que padeceu durante doze meses em uma ilha, e foi encontrado por uma embarcação de piratas russos, que estavam tantos anos no mar, sem aportar, que acabaram criando sua própria língua, que pouco lembrava a língua pátria. Sabia-se que eram russos, porque insistiam em dizer serem da Rússia, ou era o que dava para entender com esforço, quando eles se apresentavam.

O marinheiro morreu antes que o capitão do navio comandasse a aportação de emergência, o que demorou semanas, não se sabe ao certo. Quando enfim descarregaram o corpo do falecido e a tripulação teve que retratar o acontecimento, é que a história do homem que pariu um cervo veio à tona. Mal explicada, com furos imensos, o resumo do fato era, o marinheiro, sedento de companhia física, desejando, mais que carnes para alimento, carnes para penetrar e enganar a solidão que o afligia, encontrou um cadáver já semi-decomposto na parte oeste da ilha. O homem fedia à podre, arremessado de bruços, talvez pelas ondas do mar, talvez por quem o tivesse abatido. O náufrago, depois de um exame rápido, decidiu foder o corpo desfalecido, sendo que ele estava úmido, e umidade significa desejo - sua mente já moída pela loucura que acomete os homens sem esperança de viver mais um dia.

Ele se comprazeu com a carne azeda, amarga, assim a descreveu ao tocá-la com a língua. Assim o náufrago contou para a tripulação da nau russa – e todos eles ouviram sem torcer o nariz. O que não foi o caso dos frequentadores do bar Shiwitza, os primeiros a ouvirem a história sendo contada pelos piratas, em segunda mão.

Meses incontáveis depois, o necrófilo voltou lá, com saudade da carcaça. Encontrou-a de cócoras, parindo um cervo. A primeira e única coisa que viu, devido à neblina fria que cobria a ilha, foram os chifres, contou ele. Fugiu aos gritos, temendo ser comida da bestial criatura, que, admitiu aos prantos, era inegavelmente, seu filho. Tinha até os mesmos cascos, iguais aos dele.

Ninguém soube descrever melhor a narração daqueles ímprobos piratas da nau de velas púrpuras, ao que parece nem mesmo eles entendiam uns aos outros, naquela língua estúpida que eles tinham aprendido com o mar. Talvez cervo, na língua deles, quisesse dizer apenas, aquele que tem chifres. O que todo o bom navegador de oceanos, com mulher esperando em casa, há de ter.

O que não se explica, nem pelas lendas mais antigas, nem pelas modernas lorotas da esquina, é o que faz um cadáver parir algo ou alguém já provido de galhadas. Ninguém pensou em questionar o fato do cadáver ser masculino, talvez para não pôr mais uma bizarrice a ser investigada, ainda que essa ao menos ajude a incluir um veado na história.

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